E-Book: Educação Linguística em Práticas Discursivas Acadêmicas

ENSAIO DE ABERTURA

Enfatizamos, nestas considerações iniciais, que trazemos conosco aqueles que acreditamos ser dois conceitos dentre os mais importantes na obra do Círculo de Bakhtin, Volóchinov e Medvedev: o dialogismo, principalmente porque nos opomos à reificação de mulheres e homens, e a polifonia, porque compreendemos a existência de vozes e consciências resistentes a essa reificação, como debate Paulo Bezerra (2012, p. 193), dada a “essência conflituosa da vida social em formação” no seio das contradições da realidade material.

Com essa “postura dialógica” (BRAIT, 2012), buscamos realizar nosso compromisso ético de pesquisadoras que somos, em conjunto com todas e todos que escrevem conosco este livro. E talvez porque também escritoras acadêmicas, começamos a escrever com medo de escrever, uma mistura entre o desejo de dizer o que pretendemos dizer e o receio da contrapalavra e, nela, da avaliação de um outro. Entendemos que todas e todos somos outras e outros, na perspectiva do Círculo. Somos seres únicos no mundo que vivemos linguagem.

Robson Cruz (2020) tem nos ajudado a pensar sobre o nosso próprio engajamento em atividades de escrita, como se coloca a escrita deste ensaio de/ em abertura, neste mesmo ponto-processo de nossa enunciação, junto a uma corrente de vozes com as quais temos dialogado. A fonte principal desse escritor acadêmico é a obra do psicólogo estadunidense Robert Boice, cujas pesquisas, entre os anos de 1970 e 1990, apresentam o ideal romântico, o elitismo, o desprezo pelo conhecimento tácito, a necessidade de tempo para escrever, os bastidores do universo editorial, a escassa licença acadêmica1 para a escrita das mulheres e a crítica punitiva dentre as causas do bloqueio e da procrastinação da escrita. Parece-nos haver muitas “dimensões escondidas” (STREET, 2010) nessas práticas sociais da esfera acadêmica. Por exemplo, como nossos textos escritos, pelo menos nas áreas de Educação e Linguagem, são avaliados? Existe um padrão? Há necessidade de um padrão? Há discussão sobre essas práticas entre professoras, professores e estudantes? Temos tido tempo para escrever? Defendemos que esses desafios se apresentam no Brasil com especificidades de nosso capitalismo dependente2 , questão que pretendemos apenas esboçar no diálogo com Florestan Fernandes (2008), que nos conta um pouco sobre a universidade brasileira desde a sua criação.

Acreditamos que escrever, portanto, é de natureza política, ato que nos apresenta, nesse sentido, uma responsabilidade ética por esse dizer, por esse ato, porque estamos imbuídas de valores e objetivos que não são meras projeções, mas estão na realização mesma do ato de escrever. Somos escritoras acadêmicas enfrentando, na escrita, os limites epistemológicos, econômicos, sociais, raciais, de classe, como disse Paulo Freire (2019[1994]), ao narrar que o tempo de leituras e releituras está imbricado no tempo do escrever, como um existir que “é definível […] somente pelas categorias da participação real […] pelas categorias do efetivo experimentar operativo e participativo da singularidade concreta do mundo” (BAKHTIN, 2017, p. 59).

JÉSSICA DO NASCIMENTO RODRIGUES

FABIANA ESTEVES NEVES

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